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Caso Daniella Perez: Revitimização da mulher e violência doméstica

Assunto veio à tona após o falecimento de Guilherme de Pádua, autor do assassinato

Por Mayra Cardozo (Advogada Especializada em Direitos Humanos)

Porque ela estava naquele local escuro? Com essa roupa o que poderíamos esperar? Será que foi mesmo assim? Esses são alguns exemplos de julgamentos que mulheres que foram vítimas de abuso ou violência sofrem; especialista alerta sobre os direitos das mulheres nessas situações

O caso do Assassinato de Daniella Perez voltou a ser um dos temas mais comentados, após a estreia do documentário, disponível na HBO Max, que traz com olhar apurado um crime que parou o país há 30 anos. O assassinato brutal da atriz e filha da escritora Gloria Perez, pelo ator Guilherme de Pádua e pela sua esposa na época Paula Thomaz, choca tanto pela frieza como também pelo machismo como foi tratado e as tentativas de culpar a vítima em diversos momentos. O crime não se encaixaria como feminicidio, em razão do gênero, de menosprezo ou discriminação à condição de mulher, mas todo o processo mostra como a situação foi tratada discriminando a vítima.

Mesmo com tanto tempo, o que aconteceu no caso de Daniella ainda acomete muitas mulheres. É muito comum que as mulheres sofram vitimização quando são vítimas em processos judiciais, em especial processos em que se discute violência sexual. Isso ocorre como uma espécie de violência psicológica, seja pelos membros do judiciário, do ministério público e pelos advogados da outra parte que, muitas vezes, questionam a credibilidade da palavra da vítima, duvidando de sua palavra, fazendo com que a vítima não se sinta como tal. Ela acaba se sentindo culpada pela própria agressão.

Por exemplo, uma vítima de estupro, em processo judiciário, é feita crer que o crime foi culpa dela, ou a façam acreditar que está mentindo sobre o ocorrido. A revitimização está muito associada a violência psicológica, onde a credibilidade da vítima é posta em cheque.

A revitimização está muito ligada a questões sociais, às ordens sociais opressoras, qualquer indivíduo pode ser vitimizado. Mas é muito comum que as identidades subalternizadas sejam muito mais revitimizadas e questionadas, principalmente devido a um histórico de opressão. Mulheres que estão em um processo judiciário no polo ativo, costumam ser revitimizadas pois é trazido para esse processo, todo um resquício de uma ordem patriarcal, onde os corpos femininos são objetificados, mulheres são constantemente tratadas como loucas, descredibilizadas, interrompidas e questionadas naquilo que elas argumentam.

É importante enfatizar que a revitimização com certeza é uma forma de violência contra a mulher, mesmo porque é mais frequente em casos em que a mulher tem seu bem jurídico afetado, esteja como vítima e seja reutilizada. É uma forma de violência psicológica que, hoje em dia, é considerada um crime.

Como diminuir essa violência? 

As pessoas precisam questionar essa ordem patriarcal, questionar os julgamentos, evitar julgar outras mulheres, uma vez que isso cria uma lógica de rivalização patriarcal que cria uma órbita de competição entre as mulheres. A maneira de combater isso é evitar pré-julgamentos, questionar nossos valores e questionar a maneira em como ocorrem os julgamentos, não partindo de crenças introjetadas em nós. Vivemos em uma sociedade baseada na opressão, que faz com que tenhamos julgamentos apressados e generalizados, que julga a mulher frequentemente.

Outra maneira de combater essa situação é através das próprias instituições, como é o caso do judiciário. Este ano, o CNJ lançou uma resolução que combate essa questão, que orienta como os juízes devem proceder para que não exista revitimização, principalmente nos casos de violência sexual. Foi promulgada também a Lei Mariana Ferrer que faz com que as partes interessadas no processo cuidem para que não haja uma revitimização, todo um cuidado para ouvir a vítima e as testemunhas.

O protocolo do CNJ define como os magistrados devem agir no curso das audiências, para que não exista a revitimização com base no gênero. Basicamente, eles colocam passo a passo como os magistrados devem agir e se atentar para que não exista a violência psicológica. É necessário sempre que as instituições verifiquem se existem desigualdades estruturais que tenham papel relevante no processo, para isso é necessário olhar o caso particularmente que visem criar uma instrução processual igualitária. Isso vai desde o início do processo até o fim, pensando inclusive em questões práticas para garantir a segurança da vítima. O protocolo do CNJ, permite que os juízes tenham seus erros auditados e corrigidos.

Lei Mariana Ferrer

A Lei Mariana Ferrer, visa de fato punir essas condutas, a lei tem origem em um caso de revitimização em um caso processual, que veio por parte de vários membros do julgamento, em que a Mariana Ferrer foi amplamente revitimizada. A lei está em vigor e visa garantir a integridade física e psicológica da vítima, garantindo que sejam feitas acusações que não estão presentes nos autos. É comum que a defesa use fotos e outros relacionamentos para manchar a reputação da vítima e culpá-la pela própria violência. Isso não ocorre somente no Brasil, é comum em todo mundo. Diversas séries atuais tratam dessa temática internacionalmente, mostrando uma sociedade patriarcal sempre.

A norma, inclusive, proíbe a utilização de termos machistas nos tribunais. Esses termos buscam colocar vítima nessa condição, e a lei também permite que o magistrado vete perguntas que a defesa queira fazer, para proteger a integridade da mulher, ofensas e linguagens impróprias que podem desestabilizar a vítima. Essa lei traz um reconhecimento daquilo que a mulher historicamente sofre no país repetidamente, a lei busca coibir isso.

Para mudar a realidade existem dois pilares. O primeiro é cada vez mais as instituições se atentarem às medidas que visem controlar isso, acompanhadas de políticas públicas que fiscalizem as leis, principalmente nos casos de violência doméstica e sexual, para garantir o cumprimento da lei. O segundo é a educação, não apenas nas escolas, como também nas instituições jurídicas, colocando o tópico como prioridade. É um absurdo que o sistema jurídico brasileiro seja precursor de revitimizações, esse não é o papel das instituições.

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