

A educação brasileira celebra neste domingo (19), os 100 anos do nascimento daquele que é o mestre e a grande referência do ensino: Paulo Freire. Além de pedagogo, Paulo Reglus Neves Freire também era filósofo e sempre pregou a importância do ensino para que o Brasil se desenvolva.
Natural de Recife, Pernambuco, Paulo Freire nasceu no dia 19 de setembro de 1921. Só que ele ficou até os 10 anos de idade, quando se mudou para o Jaboatão dos Guararapes, também em Pernambuco. Paulo cursou o ginásio no Colégio 14 de Julho, no centro do Recife. Depois de perder o pai, aos 13 anos, mudou para o Colégio Oswaldo Cruz. Em troca da gratuidade na matrícula, trabalhou como auxiliar de disciplina.
Aos 22, ele ingressou na Faculdade de Direito do Recife (FDR), que hoje faz parte da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Durante e após a graduação, Freire foi professor de Língua Portuguesa no Oswaldo Cruz. Com o diploma em mãos, também passou a dar aulas de Filosofia na Escola de Belas Artes da UFPE.
Em 1944, casou-se com a funcionária pública Elza Maia Costa de Oliveira, que também se formou em direito e dedicou a vida à pedagogia. Ela foi uma das pioneiras em arte-educação no Brasil e faleceu em 1986.
A dedicação para a Educação
A inquietação de Freire com os métodos de ensino tradicionais se materializou, pela primeira vez, em 1955. Na época, ele liderou a fundação do Instituto Capibaribe, que funciona até hoje. A ideia era construir uma escola “alternativa”, sem fins lucrativos, para fazer contraponto à educação acrítica e conservadora da época.
Freire afastou-se da direção do Instituto Capibaribe um ano depois, mas logo seria conhecido nacionalmente com experiências ainda mais inovadoras. Em 1958, ele apresentou as bases teóricas de seu sistema de alfabetização de adultos no II Congresso Nacional de Educação de Adultos, no Rio de Janeiro (RJ).
A primeira elaboração sistemática de seu pensamento veio no ano seguinte, ao submeter uma tese de concurso para a cadeira de Filosofia da Educação na Escola de Belas-Artes de Pernambuco.
Da teoria à prática
Em 1961, ocupando o cargo de diretor do Departamento de Extensões Culturais da Universidade do Recife, Freire montou um grupo de educação popular que alfabetizou 300 cortadores de cana da região em 45 dias. Na época, ele atuava no Movimento de Cultura Popular (MCP), que apostava na alfabetização e na conscientização dos trabalhadores por meio de círculos de cultura.
“Paulo Freire acreditava, de verdade, na práxis [processo pelo qual uma teoria é executada ou praticada]. Não era uma questão apenas de discurso. Ele se metia nas coisas, queria saber, estava junto, participava”, afirma Lisete Arelaro, doutora em Educação, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e amiga de Paulo Freire.
“Isso o distinguia de um intelectual de caráter mais tradicional, que faz sua palestra, depois vai para casa, deita e dorme. Ele foi um educador militante, até o final da vida.” A experiência mais conhecida de Freire naquela época ocorreu em 1963, em Angicos (RN). Lá, cerca de 300 trabalhadores foram alfabetizados após 40 horas de estudo.
Técnica de ensino
Uma das novidades da sua proposta era a utilização de palavras comuns ao cotidiano dos trabalhadores como ponto de partida para a alfabetização – por exemplo, “tijolo”. O professor Adelino Francisco de Oliveira conta que ouviu falar em Freire pela primeira vez ao testemunhar essa construção na prática, anos depois.
“Eu era menino, morava na entrada do Grajaú, na periferia de São Paulo, e acompanhava minha irmã Márcia, que dava aulas de alfabetização para adultos à noite, em uma ação coordenada pelo Paulo Freire como secretário municipal de educação”, lembra Oliveira.
Freire exerceu o cargo na gestão de Luiza Erundina (então no PT, hoje no PSOL) na Prefeitura de São Paulo (1989-1992). “Uma das primeiras coisas que me impactou foi o conceito de palavra geradora. Lembro como se fosse hoje: minha irmã escrevendo na lousa a palavra ‘trabalho’, e a partir dela dialogando sobre o seu sentido”, relata.
“Eu me recordo de uma senhora falando que trabalho, para ela, significava sofrimento. Então, as pessoas debatiam, contavam suas experiências, e ao mesmo tempo aprendiam a ler e escrever a realidade.”
Projeção nacional
A experiência de Angicos, que gera frutos até hoje, repercutiu em todo o país. “Estávamos vivendo o nacional-desenvolvimentismo, e foram anos de efervescência, muito criativos e mobilizantes. Havia uma compreensão de que a educação formaria o ‘homem novo’ e mudaria o mundo”, lembra Lisete Arelaro.
“Havia a participação cristã, por meio da Teologia da Libertação, havia o Partidão [PCB], que investia na formação política da juventude. Enfim, eram diversos grupos políticos que começavam a fazer, realmente, propostas de nação.”
Paulo Freire não havia publicado suas obras mais importantes, mas seus conceitos já eram influentes. Em São Paulo, no início dos anos 1960, o Centro Regional de Pesquisas Educacionais já produzia slides a partir das propostas de Paulo Freire.
“Em Campinas (SP), a gente passava os slides com caixas de sapato, com as luzinhas dentro”, conta Lisete, que na época era uma liderança estudantil. “A UNE [União Nacional dos Estudantes] estava empenhada na alfabetização de adultos. E a gente sabia que havia um ‘método’ de Paulo Freire, mas os textos dele não chegavam. Então, eu era jovenzinha, e nós fazíamos o que achávamos que era Paulo Freire”, explica.
O conceito de palavra geradora foi um dos primeiros a se difundir. Outro questionamento de Freire que se espalhou rapidamente era sobre a disposição das cadeiras na sala de aula. “Paulo Freire dizia que, muito melhor do que olhar o pescoço dos colegas da frente, é olhar nos olhos dele. Colocar as cadeiras uma atrás da outra só desestimula a prestar atenção”, afirma Lisete.