Cultura

O dilúvio e as enchentes

Eventos extremos são cada vez mais comuns e merecem atenção de todos

Uma história bíblica de todos conhecida conta sobre o Dilúvio que assolou à terra, anunciado previamente para a preservação da raça humana e dos animais que entraram aos pares na Arca construída por Noé. E as enchentes que atingiram nossa região mais recentemente, ceifando vidas e gerando prejuízos a muitas famílias, teriam ou não sido anunciadas?

Esse tipo de fenômeno da natureza não é recente, nem exclusivo de uma ou outra região. Acontece com frequência em diversas partes do planeta.

Ainda, são constantes os avisos que a natureza ou a divindade endereçam ao ser humano (por isso a analogia com o Dilúvio). Depois não adianta culpar São Pedro.

São situações previsíveis e cujos efeitos podem ser minimizados. Errônea a ideia de que as enchentes são decorrentes exclusivamente de eventos da natureza e imprevisíveis.

Sabendo disso, a legislação ambiental dispõe há muito tempo que as nascentes, margens de rios e córregos, áreas íngremes ou encostas são consideradas de Áreas de Preservação Permanente – APP (com ou sem vegetação), não só para a proteção do ambiente natural, mas principalmente do próprio ser humano em face da previsibilidade de chuvas abundantes, inundações e deslizamentos nessas áreas.

Nesse sentido, o ensinamento do Ministro do STJ, Antônio Herman Benjamin,  que foi por muitos anos membro do Ministério Público de São Paulo e autoridade nas questões ambientais: “A ocorrência de chuvas torrenciais e a consequente elevação do nível de água dos riachos e rios é natural, sempre existiu e sempre existirá. Ou seja, onde houve enchente uma vez, mais cedo ou mais tarde haverá novamente. Se sabemos que é assim e sempre foi, o comportamento mais inteligente – e barato – é prevenir. Não há fórmula mais eficiente do que respeitar as áreas de risco e deixar de ocupá-las.”

O desrespeito às apps, mencionadas, além de prejuízos ambientais, traz prejuízos patrimoniais, em especial com ocupação de encostas, várzeas e leitos de rios. As obras públicas, muitas vezes necessárias e nem sempre suficientes, retiram verbas de outras atividades também essenciais: saúde, educação, segurança, etc.

Pode-se afirmar, pois,  sendo muito mais barato respeitar as APP (nascentes, margens de rios, encostas etc), respeitar o meio ambiente,  do que investir em obras caríssimas para canalizações (que também geram outros problemas) ou na ajuda das famílias atingidas, lembrando que as vidas perdidas não se recuperam.

E isso vale tanto para a zona rural, como as áreas urbanas. As margens dos rios nas zonas urbanas são tão ou mais importantes, exatamente por constituir aumento da faixa por onde as águas escoam em períodos de chuvas intensas.

Cabe ao Poder Público a adoção de medidas para minimizar e reduzir as enchentes, incluindo respeito à legislação ambiental e urbanística, plano de monitoramento de áreas de risco, medidas preventivas e plano de contingenciamento quando da ocorrência de eventos extremos, entre outras.

Também a cada membro da sociedade cabe fazer sua parte, cuidar do ambiente, fiscalizando, exigindo providências, bem como exigindo e promovendo o plantio de árvores nas áreas de preservação, nos parques, quintais e calçadas, bem como instalando dispositivos de aproveitamento das águas de chuvas (cisternas), mantendo ou criando áreas permeáveis em todos os imóveis (áreas com jardins, pedriscos, etc.), aonde parte da água da chuva percola o solo e ajuda a recuperar os lenções freáticos, permitindo também mais água nos períodos de escassez ou estiagem.

Os avisos continuam sendo feitos e não é preciso aguardar um verdadeiro Dilúvio para que ações concretas sejam adotadas em favor do ambiente, pois tudo isso reverte em benefício do próprio ser humano, preservando o patrimônio e vidas.

Aliás, os eventos extremos (chuvas torrenciais, escassez hídrica, incêndios florestais, etc.) são cada vez mais comuns e merecem atenção de todos em face do aquecimento global e outros fatores provocados pelo próprio ser humano, mas isso será tema de outros textos.

Claudemir Battaglini é Promotor de Justiça em Jundiaí, especialista em Direito Ambiental e Professor Universitário.

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