Trabalho

Artigo: você tem medo de ser detestada?

Situação é delicada para diversas mulheres que exercem os cargos de liderança

Por Maytê Carvalho (Escritora e professora)

O caminho até a liderança de uma empresa não é fácil e costuma se tornar ainda mais difícil quando é uma mulher que o percorre. Para termos uma ideia, de acordo com o índice The Reykjavik Index for Leadership, realizado pela consultoria Kantar em 2020, 59% dos brasileiros não se sentem confortáveis quando veem uma mulher liderando uma empresa. Além disso, mais da metade dos homens não quer ver uma mulher líder.

O mesmo estudo apontou que existem setores considerados pelas pessoas como mais adequados para o comando de uma mulher, como beleza e moda. O setor automotivo e o de engenharia, porém, são vistos como mais masculinos. A verdade é dura, mas sustentada por dados: as mulheres não agradam quando exercem seu protagonismo.

O fato é que devemos nos perguntar: Você está pronta para causar desconforto ao ser uma líder? Não agradar? E a realidade é que nem todas nós estamos prontas. As pessoas costumam falar que “o que falta nas mulheres é autoconfiança”, mas discordo plenamente disso. Não é falta de confiança em si mesma, é medo de não pertencer. De não ser acolhida pelo grupo. De não ser amada.

Precisamos entender que isso tem a ver com séculos de machismo estrutural, em que nossos direitos individuais e até mesmo políticos só eram legítimos se atrelados à figura de um homem: conta no banco, voto, compra de imóvel. “Como posso arriscar ser detestada? Se eu for detestada, não terei acesso a bens e oportunidades, minha voz não será ouvida”. É aí que está a armadilha. É uma ilusão de pertencimento. E, ao silenciarem as nossas vozes, nos deram a ilusão de que tínhamos uma.

Quando vivemos buscando a validação externa, confiamos nos outros o nosso bem mais valioso: a vida. Além disso, existe sempre a possibilidade de culpar as outras pessoas por desejos não realizados. É muito mais fácil dizer: “Ah, não tô fazendo o que eu realmente quero porque o meu pai me obrigou a fazer isso”; “Eu não corto meu cabelo porque sei que as pessoas vão achar que enlouqueci”; “Se fizer isso, o que os outros vão dizer?”.

De todas as maneiras, ficamos retroalimentando uma narrativa que coloca, na mão alheia, o poder sobre nós e nossas escolhas. Ficamos imaginando coisas horríveis que os outros vão pensar sobre nós. No fundo, é como se nos tornássemos uma criança assustada de novo, que não se acha boa o suficiente. Mas a verdade é que não precisamos provar o nosso valor. Não precisamos pedir desculpas por impor limites e desenhar contornos. Tampouco pelas nossas ambições, necessidades, sonhos e desejos. Mesmo que eles tragam à tona as inseguranças das pessoas ao nosso redor.

Por muito tempo, estabeleci uma dinâmica na minha vida chamada performance based love, ou, em bom português, amor pautado em performance. Sempre quis ser a primeira da classe, a ganhar prêmio e ser reconhecida. Tudo isso para ser amada pelos meus pais, pela professora, pelos amigos – para pertencer.

Mas a verdade é que nós só precisamos ser. Ser basta e é suficiente. Quando nos libertamos, assumimos a coragem de sermos detestas. Dizemos ao mundo: “Pode mandar ver, eu sei que não sou megera, não sou arrogante e nem irritante. Eu não me encolho para caber”. Assumimos a nossa narrativa e nos apropriamos de quem somos de verdade.

E, quando o nosso silêncio reverberar mais do que gritar “não” – aí, sim, podemos nos calar.

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