Nesta terça-feira (1º) foi ouvida na CPI da Covid, na condição de convidada, a médica Nise Yamaguchi. Ela foi uma das defensoras do uso da cloroquina no tratamento precoce contra o coronoavírus. Mas ela negou que teria tentado mudar a bula do medicamento.
O remédio não tem qualquer eficácia contra a doença. Por isso Yamaguchi foi convidada para falar na CPI da Covid para que desse explicações, principalmente sobre um suposto ‘gabinete paralelo’, o que teria definido diretrizes sobre a pandemia, à margem das regras científicas e das recomendações oficiais do Ministério da Saúde.
Senadores apuram se existe um grupo de conselheiros informais do governo e se a médica é uma das integrantes dele. Ela negou qualquer participação. “Eu desconheço um gabinete paralelo e muito menos que eu integre qualquer gabinete paralelo. Sou uma colaboradora eventual”, afirmou.
O encontro com o presidente
Nise Yamaguchi contou na CPI que, durante a pandemia, manteve “quatro ou cinco” reuniões com o presidente Jair Bolsonaro. Segundo ela, os encontros não eram privados e, nessas reuniões, afirmou, não houve discussão sobre imunidade de rebanho, lockdown e vacinas.
No entanto, Nise admitiu, por outro lado, que discutiu o tratamento precoce com o presidente da República. “Eu tive a oportunidade, no início, de receber dele a informação de que existia um tratamento que estava sendo discutido na França e nos Estados Unidos”, afirmou.
A médica disse ainda que explicou a Bolsonaro que eram necessários dados científicos. “Por isso que eu ia conversar com o Conselho Federal de Medicina para validar a possibilidade de o paciente receber o medicamento e de o médico de prescrever. Então, isso foi bastante importante para mim, porque eu pude participar de discussões técnicas com o Conselho Federal de Medicina”, disse Yamaguchi.
A afirmação de que manteve poucas conversas com o presidente foi questionada pelos senadores. “Ela já afirmou aqui que mal falava com o presidente da República, que nunca esteve com ele sozinho. Em junho de 2020, foi publicado um vídeo em que anuncia publicamente as seguintes palavras: ‘Mandei mensagem para ele [o presidente]. Ele não precisava me sondar para ser ministra. Ele me conhece, e a gente se fala o tempo todo’”, afirmou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
A bula da cloroquina
Yamaguchi também admitiu ter mantido conversas com ministros, entre os quais Eduardo Pazuello, enquanto esteve à frente da Saúde, e Walter Braga Netto, quando, ainda na Casa Civil, comandava o comitê de crise, além de técnicos do Ministério da Saúde.
Conforme relatos do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e do presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, em abril do ano passado foi discutida a possibilidade de edição de um decreto para alterar a bula da cloroquina, de modo a passar a prever o tratamento do coronavírus.
De acordo com Barra Torres, Yamaguchi era uma das participantes e defensoras da proposta. A médica, porém, negou a versão. Segundo ela, na reunião, foram discutidas resoluções e notas técnicas para tratar sobre a cloroquina e a ampliação de uso relacionado ao tratamento do coronavírus. “Eu não fiz nenhuma minuta”, disse.
“Inclusive, depois da reunião, eu descobri que eles estavam se referindo a uma minuta, e essa minuta jamais falava de bula, ela falava sobre a possibilidade de haver uma disponibilização de medicamento”, reforçou. A médica entregou aos senadores documento que, segundo ela, teria sido o objeto da reunião naquele dia – nele, não há menção a alterações à bula da cloroquina.
Contestações
A posição de Yamaguchi também foi contestada por senadores. O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que ela não poderia ter o documento. “O presidente da Anvisa disse aqui para a gente que o ministro Braga Netto, na hora em que ele discordou, pegou o papel e rasgou. Se ela tem esse documento, é porque ela fez ele novamente”, disse Aziz.
O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) ressaltou que Mandetta e Barra Torres falaram na condição de testemunhas e que, nessa condição, há a obrigação de dizer a verdade. “A senhora está fazendo uma acusação muito grave: que os dois mentiram nesta comissão. A senhora tem consciência do que a senhora está acusando os dois, não é? Porque mentir sob juramento nesta comissão tem penalidades graves”, afirmou Jereissati.
“Eu não acho que eles tenham mentido. Eu acho que eles tenham se equivocado, porque acharam que a gente quisesse fazer um decreto da bula, e não foi isso que aconteceu”, respondeu Nise Yamaguchi.
‘Gabinete paralelo’ e vacinas
Após o depoimento de Nise Yamaguchi, Omar Aziz disse que já estão provadas a existência do chamado “gabinete paralelo”, composto por pessoas não especializadas, e a falta de interesse do governo na aquisição de vacinas. “Isso está provado”, disse.
“Foi se formatando, sem nenhum dado científico, um protocolo, do qual vem o tratamento precoce e vem a imunização de rebanho. Coisa que não deu certo no Brasil e ceifou a vida de muitas pessoas”, afirmou Aziz. “O governo nunca se interessou por vacina. Se interessou em tratamento precoce e imunização de rebanho que não dão certo”, ressaltou o presidente da CPI.
Sobre o depoimento previsto para esta quarta-feira (2), da ex-secretária de Enfrentamento à Covid-19 Luana Araújo, Omar Aziz disse que a presença da infectologista pode mostrar que há “ingerência política” no Ministério da Saúde.
Ele afirmou também que a CPI priorizará depoimentos de supostos integrantes desse gabinete paralelo, como o ex-assessor da Presidência Arthur Weintraub e o empresário Carlos Wizard. O relator Renan Calheiros voltou a defender um novo depoimento do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a quem chamou de “ministro omisso” e de “ministro do silêncio”.
“Há a necessidade de marcarmos imediatamente a volta à CPI do atual ministro Queiroga. Porque esta CPI investiga a omissão, e estamos diante de um ministro omisso. Ele não é o ministro da Saúde. Pela omissão, é o ministro do silêncio. Ele, que não soube nada quando veio aqui, precisa voltar, para que pelo menos tente explicar porque se omitiu nessa loucura de realizar a Copa América no Brasil”, afirmou.