O Ministério Público Federal (MPF) denunciou, nesta quarta-feira (10), o prefeito de Guarujá, Válter Suman (PSDB) e mais sete pessoas. Todos são acusados de cometerem crimes de peculato [contra a administração pública], advocacia administrativa, fraude em licitação e prorrogação irregular da vigência de contrato.
De acordo com o MPF, a denúncia foi feita com base em investigações da Polícia Federal (PF) durante a Operação Nácar-19, realizada em 2021. Além disso, também houveram apurações do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), Controladoria Geral da União (CGU) e Tribunal de Contas da União (TCU).
A corporação e os grupos identificaram irregularidades em um contrato entre a Prefeitura de Guarujá (SP) e a Organização Social (OS) Pró-Vida, firmado em 2020, que visava a instalação de central de triagem e 14 leitos para o atendimento de pacientes com Covid-19 na cidade.
Em nota, o MPF acrescentou que a PF e os citados órgãos de controle apuraram a existência de um “complexo esquema de corrupção” na prefeitura. Conforme divulgado pelo Ministério Público, parte dos contratos firmados para a área da saúde seriam “previamente negociados e ajustados entre empresários e agentes públicos, mediante o pagamento de vantagens ilícitas”.
O MPF apontou, ainda, que tais vantagens seriam aproveitadas pelo grupo a partir de lavagem de dinheiro, que seria realizada por terceiros, popularmente conhecidos como “laranjas” – alguns destes contratados pela própria prefeitura.
Denúncia e novas investigações
A denúncia em questão é referente ao Contrato de Gestão Emergencial n.º 68/2020. O MPF informou, porém, ter solicitado à Delegacia de Polícia Federal de Santos investigações sobre a prática de crimes em outros três acordos firmados entre o município de Guarujá e a OS nos anos de 2018 a 2020.
O Ministério Público Federal divulgou que a acusação será analisada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3). O órgão afirmou que, se a denúncia for aceita pelo judiciário, os acusados passam à condição de réus, “tendo garantidos o exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa”.
Entenda as irregularidades
O MPF alegou, ainda em nota, que entre as irregularidades do contrato foram apontadas outros problemas: vícios na elaboração do termo de referência; ausência de justificativa plausível para escolha da OS Pró-Vida; realização de pagamentos por serviços não previstos e aditivos em desconformidade com a lei.
Segundo o Ministério Público Federal, as investigações identificaram nas prestações de contas da Secretaria Municipal de Saúde de Guarujá que a OS Pró-Vida contratou terceiros para exercerem serviços médicos, higienização, limpeza, fornecimento de medicamentos, serviços de publicidade.
O órgão divulgou, porém, que determinadas atividades não apresentavam comprovações de terem sido executadas, além da ausência de informações sobre o processo de contratação.
O MPF indicou, ainda, sobre a prestação de contas do contrato, que 98,55% do total dos repasses feitos pelo município à OS foram apontados como “despesas inconsistentes ou não comprovados”. O valor, de acordo com o órgão, totaliza aproximadamente R$ 12,2 milhões.
Conforme concluído pelos mencionados órgãos de controle, os gestores municipais não fiscalizaram a execução do contrato de forma efetiva e ainda “contribuíram para que as irregularidades ocorressem, uma vez que deixaram de tomar as medidas legais cabíveis, como a suspensão de repasses à OS”.
A Organização Social Pró-Vida foi contratada pela prefeitura, em abril de 2020, para instalar a central de triagem e 14 leitos no Pronto Socorro Prof. Dr. Matheus Santamaria. Segundo o MPF, o valor aproximado do acordo era de R$ 7,9 milhões, com prazo de vigência de 180 dias.
O órgão acrescentou que, em outubro daquele ano, foi assinado um termo aditivo [meio de alteração contratual] por mais 88 dias, ao custo de R$ 3,4 milhões. Em dezembro de 2020, de acordo com o MPF, mais um termo aditivo, por 90 dias, pelo valor de R$ 3,9 milhões.
Salários em atraso e afastamentos
O MPF divulgou também que foi instaurada uma investigação no âmbito do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), que recomendou a intervenção no contrato por conta do atraso no pagamento dos salários dos funcionários, assim como a falta de médicos e materiais de trabalho nas unidades gerenciadas pela OS.
Conforme descrito pelo órgão, em março de 2021 foi determinado o afastamento da OS do gerenciamento das unidades de saúde e nomeado um conselho interventor, que assumiu os serviços prestados pela organização. Depois disso, ainda de acordo com o MPF, foi firmado o terceiro aditivo ao contrato no valor de R$ 6,6 milhões.
O TCU concluiu em relatório que a ‘Pró-Vida’ foi criada em 2009 e, além da sede em Itupeva, apresentava duas filiais em Atibaia, as quais apresentavam situação cadastral “inapta”. O órgão apurou “elevado volume de ações judiciais movidas por empresas fornecedoras de serviços e por funcionários e colaboradores” pelo não recebimento dos valores que lhes eram devidos.
Segundo o TCU, o caso “atestou o alto risco de os recursos públicos recebidos no âmbito dos contratos de gestão firmados com a OS estarem sendo desviados para outras finalidades”, de acordo com a nota divulgada pelo MPF.
Em contrapartida, a CGU considerou que a contratação poderia ter sido evitada, o que impediria a “reincidência [retorno] das irregularidades que haviam sido constatadas na execução de contratos formalizados anteriormente com a OS”.
O Ministério Público Federal afirmou que, além da responsabilização dos denunciados pelos crimes e da perda dos cargos públicos, em relação ao prefeito Válter Suman, ao secretário Vitor Hugo Straub Canasiro e à servidora Jamile Cristina Favero Santos, o órgão solicitou a condenação dos denunciados à reparação dos danos causados ao erário [conjunto dos recursos financeiros públicos], no valor mínimo de cerca de R$ 14 milhões.
Resposta
Em nota, a Prefeitura de Guarujá informou não ter conhecimento sobre o teor das denúncias do MPF e disse que à época dos acontecimentos foram detectadas irregularidades na prestação de contas da OS Pró Vida.
“De imediato, [foram] promovidas a intervenção e desqualificação da mesma [da OS], afastando-a da gestão de 16 unidades de Saúde, antecipando-se às medidas tomadas pelos órgãos fiscalizadores, propondo, inclusive, Ação Civil Publica em face da OS e seus dirigentes”, diz a administração municipal em trecho da nota.
A prefeitura ressaltou que o prefeito Válter Suman informou não ter sido notificado sobre a denúncia formulada pelo MPF. “No transcurso do processo, dentro do prazo legal, por meio de seu advogado, [o prefeito] apresentará sua defesa”.
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