O Ministério Público do Trabalho (MPT) de Santos, Litoral de São Paulo, entrou com uma ação civil pública contra uma família, que é acusada de submeter uma mulher a viver em uma situação de escravidão por 50 anos. Durante este tempo, a mulher não recebeu nenhum salário ou auxílio financeiro. Além disso, não poderia sair só, com exceção de executar tarefas e ainda sofria abusos físicos e verbais da família.
De acordo com a denúncia, o caso ocorria em um apartamento no Gonzaga, um dos bairros nobres de Santos e uma vizinha fez a denúncia após gravar as ofensas que a idosa, hoje com 89 anos, sofria da patroa e das filhas.
A mulher foi contratada nos anos 1970 empregada doméstica, para trabalhar na casa de uma mulher em Santos. A vítima, que é negra, contou à Justiça que perdeu sua carteira de identidade (RG) ainda naquela época, e que foi “contratada” após a promessa de que os patrões a ajudariam a providenciar uma nova.
Entretanto, conforme relatou, isso nunca aconteceu. Ela ainda foi impedida de guardar valores – inclusive dinheiro em espécie -, e nunca conseguiu sair para solicitar novas vias de seus documentos. De acordo com o que contou, quando implorava para que a deixassem procurar seus familiares, respondiam que, se ela fosse, perderia para sempre o abrigo e alimentação que recebia ali.
Ofensas e saúde debilitada
Com o passar dos anos, a situação de saúde da empregada doméstica piorou, e a violência física e psicológica se intensificou. As filhas da patroa proferiam xingamentos e humilhações constantes aos gritos contra ela, que relatou ter sofrido, também, agressões físicas, como “tapas e socos”.
Conforme o MPT, em uma dessas ocasiões, uma vizinha de apartamento resolveu denunciar o caso à Delegacia de Proteção às Pessoas Idosas, para onde enviou uma gravação das agressões verbais, em que se ouvia uma das filhas gritando “(…) essa sua empregada vaga*****; essa cretina, demônia (…)”.
O caso chegou ao órgão por meio da Vara do Trabalho, e o MPT entrou com a ação civil pública depois que a família se recusou a fazer qualquer acordo para corrigir a situação.
Condições atuais
O caso chegou ao órgão por meio da Vara do Trabalho, e o MPT entrou com a ação civil pública depois que a família se recusou a fazer qualquer acordo para corrigir a situação.
Para o procurador do MPT Rodrigo Lestrade Pedroso, não há dúvidas de que a vítima foi submetida a trabalho análogo à escravidão, “agravado pela vulnerabilidade de pessoa idosa, extremamente simples, que mal consegue descrever tudo por que passou, e tampouco ter consciência da situação de exploração a que foi submetida por mais de 50 anos”.
As filhas da empregada doméstica contaram ao MPT que estavam procurando o paradeiro da mulher por 50 anos e não tinham a ideia de que ela estaria viva ou morta. Mas encontrá-la era quase uma ‘missão impossível’, pois mantida fora dos registros pelos antigos patrões. Por isso, chegaram a imaginar que a mãe havia morrido.
A primeira filha morreu sem realizar o sonho de reencontrar a mãe, segundo texto inicial da ação trabalhista. A outra desenvolveu graves problemas psicológicos por conta do abalo com o desaparecimento da mãe, e hoje precisa de cuidados especiais.
A ex-patroa da vítima e uma de suas três filhas faleceram em 2021. Outra filha já havia morrido antes de o caso vir à tona. O MPT considera que todas se beneficiaram diretamente da situação degradante da empregada doméstica, já que também administravam a casa e lhe davam ordens diretas, aproveitando-se do fato de que havia alguém para cuidar da mãe em tempo integral, sem custo algum.
Por esse motivo, na ação, o MPT pede o bloqueio dos bens de todas as filhas, inclusive do inventário das falecidas. Também pede o bloqueio de bens do marido de uma das filhas, que administrava a pensão e os bens da sogra.
Indenização
Segundo Rodrigo, o fato de os réus não residirem no local da prestação de serviços não afasta o vínculo empregatício, já que os serviços prestados como doméstica e acompanhante eram destinados ao núcleo familiar, e não apenas à ex-patroa com quem a vítima residia.
Na ação, o MPT requer liminar para arresto do imóvel em que a vítima era mantida, e também o bloqueio de bens móveis e imóveis, veículos e ativos dos réus no valor de R$ 1 milhão. Também pede a confirmação de que submeteram a trabalhadora à situação de trabalho análogo ao escravo, e que sejam, por isso, condenados ao pagamento de danos morais coletivos não inferior a R$ 1 milhão.
Denúncias de casos como esse podem ser feitas pelo site do MPT, até mesmo de forma anônima, ou pelo Disque 100 – Disque Direitos Humanos, conforme orienta o procurador.
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