Meio Ambiente

A agropecuária e a devastação ambiental no Brasil: uma crise silenciosa

A expansão da agropecuária no Brasil está levando a uma destruição sem precedentes de biomas como o Cerrado, Amazônia e Pantanal, agravando as mudanças climáticas e ameaçando a biodiversidade do país.

O Brasil, conhecido por sua biodiversidade e vastos biomas, enfrenta uma crise ambiental impulsionada, em grande parte, pela expansão da agropecuária. Os números são alarmantes: entre agosto de 2023 e julho de 2024, o Cerrado, segundo maior bioma brasileiro, registrou um aumento inédito de 15% no desmatamento.

Este bioma, que abriga 63% da produção agrícola e 36% do rebanho brasileiro, é um dos mais afetados pela exploração humana. A destruição contínua das florestas, a expansão do agronegócio e as queimadas estão ameaçando não apenas a fauna e flora locais, mas também o equilíbrio climático do planeta.

O Cerrado em Chamas

De acordo com o Monitor do MapBiomas, em 2023, 70% dos municípios do Cerrado registraram desmatamento, e em 2024 o bioma foi o mais afetado pelas queimadas. Com 23% da vegetação desmatada sendo convertida em pastagem, o Cerrado está perdendo rapidamente suas características naturais. A vegetação nativa, que depende em grande parte de propriedades privadas para ser preservada, está sendo destruída a um ritmo alarmante, muitas vezes impulsionado pela demanda internacional por soja, que ocupa cerca de 20 milhões de hectares no bioma. Embora o Brasil produza soja em larga escala, apenas 3% é destinada ao consumo humano no país, com a maior parte utilizada na produção de ração para animais explorados pela indústria alimentícia.

 

A SOS Pantanal destaca a importância do Cerrado na manutenção do Pantanal, uma vez que mais de 80% da água que chega ao Pantanal nasce no Cerrado. “A proteção do segundo maior bioma do Brasil é crucial para a manutenção de todos os outros. Sem um meio ambiente saudável, não existe economia, desenvolvimento e justiça social”, enfatiza a organização.

 

Impactos no Pantanal

O Pantanal, o maior bioma alagado do planeta, também está sendo duramente atingido pela crise ambiental. Apenas nos primeiros 10 dias de setembro de 2024, foram registrados 736 focos de incêndios, mais que o dobro do total registrado no mesmo mês em 2023. Quase 2 milhões de hectares de vegetação foram consumidos pelas chamas, afetando drasticamente a vida selvagem e a biodiversidade local.

 

Os incêndios de 2020, os piores da história do Pantanal, deixaram um rastro de destruição, com a morte de mais de 17 milhões de animais, entre eles onças, jacarés e araras. “A indústria da carne não só destrói vidas de animais ditos de produção, mas também provoca o sofrimento e a morte de milhares de animais silvestres. O equilíbrio do nosso planeta e a sobrevivência de diversas espécies dependem das nossas escolhas como consumidores tanto quanto de decisões de governos e grandes empresas”, alerta George Sturaro, Diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas da Mercy For Animals (MFA) no Brasil. A organização defende um sistema alimentar mais justo e sustentável, propondo a substituição contínua de alimentos de origem animal por opções vegetais para limitar o aquecimento global a 1,5 °C, conforme estabelecido no Acordo de Paris.

 

Globalmente, os sistemas alimentares são responsáveis por cerca de 1/3 das emissões de gases de efeito estufa. No Brasil, onde a pecuária tem um grande impacto, essa proporção chega a quase 74%. Destes, cerca de 3/5 das emissões totais do país vem da cadeia de produtos de origem animal.

 

A Crise na Amazônia e a Poluição

Enquanto o Cerrado e o Pantanal ardem, a Amazônia também enfrenta um cenário alarmante. Em agosto de 2024, o bioma registrou o maior número de focos de incêndio em 19 anos, intensificando a crise ambiental. A fumaça dessas queimadas, somada à seca extrema, gerou uma névoa espessa que cobriu cerca de 60% do território brasileiro, chegando até capitais como Buenos Aires e Montevidéu. Em Porto Velho (RO), Rio Branco (AC) e São Paulo (SP), foram registrados os maiores níveis de poluição do ar no mundo, segundo a IQAir, empresa suíça de monitoramento da qualidade do ar.

Área queimada no Pará na Reserva Rio Azul

Raquel Machado, presidente do Instituto Libio, teve parte de suas terras devastadas pelo fogo, mas, graças à ação dos mais de 20 brigadistas do PrevFogo, os danos foram minimizados. “Sem o trabalho incansável desses brigadistas, as perdas seriam ainda maiores. Precisamos valorizar quem protege a Amazônia e repensar urgentemente a forma como lidamos com nosso patrimônio natural”, afirma Raquel.

 

Esse cenário não é apenas um reflexo das mudanças climáticas, mas também da expansão agropecuária irresponsável que adota o desmatamento e as queimadas como práticas de expansão territorial. “Estamos vivendo a maior crise ambiental das últimas décadas, impulsionada por um modelo agropecuário destrutivo. Se não repensarmos esse modelo e adotarmos práticas mais sustentáveis, o futuro da Amazônia, e de todo o planeta, estará em risco”, complementa Raquel.

 

Soluções Sustentáveis: Lições da Costa Rica

Enquanto o Brasil enfrenta essa crise, a Costa Rica, um pequeno país da América Central, nos mostra que é possível reverter o desmatamento e adotar um modelo econômico mais sustentável. Há cinco décadas, a Costa Rica enfrentava um cenário similar ao do Brasil, com uma devastação ambiental sem precedentes. No entanto, graças a políticas públicas inovadoras e à participação ativa da sociedade civil, o país conseguiu duplicar sua cobertura florestal. Hoje, mais de 50% do território costa-riquenho é coberto por florestas, e o país se tornou um exemplo global em conservação.

 

A mudança de modelo produtivo na Costa Rica, que migrou da agropecuária para o turismo sustentável e a produção de energia limpa, oferece uma lição valiosa para o Brasil. A transição para práticas mais sustentáveis pode ser a chave para preservar nossos biomas e garantir um futuro mais equilibrado para o planeta.

 

O Caminho Adiante

A agropecuária no Brasil, embora essencial para a economia, tem cobrado um preço alto do meio ambiente. A expansão desenfreada de pastagens e plantações, o desmatamento e as queimadas estão colocando em risco a biodiversidade, a qualidade do ar e o equilíbrio climático do planeta. Organizações como SOS Pantanal, Instituto Libio e Mercy For Animals clamam por ações urgentes para frear essa destruição e proteger o que resta dos biomas brasileiros.

 

O Brasil pode seguir o exemplo de países como a Costa Rica e adotar políticas públicas que incentivem a conservação e a sustentabilidade. A mudança depende das escolhas que fazemos como sociedade e da pressão por práticas que protejam o meio ambiente, garantindo um futuro mais justo para todos. Como enfatiza George Sturaro da Mercy For Animals, “É hora de agir e mudar o nosso atual sistema alimentar”.

 

O que diz o analista do IBAMA, Lawrence Oliveira, Analista Ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

 

Incêndios Criminosos: O Impacto nas Operações

Suspeitas de que alguns incêndios têm origem criminosa afetam diretamente o planejamento das operações de combate. “A segurança dos brigadistas é nossa prioridade”, enfatiza Lawrence, explicando que em áreas onde há atividades ilícitas, como garimpo ou extração ilegal de madeira, as operações podem ser comprometidas. “Antes de cada operação, fazemos uma análise de risco e, se necessário, solicitamos apoio policial. No entanto, a presença de atividades ilegais é um grande obstáculo para o combate ao fogo”, afirma ele.

 

Desafios dos Brigadistas no Pantanal

Os brigadistas que atuam no Pantanal enfrentam condições extremamente desafiadoras. Lawrence Oliveira destaca que, em 2024, as condições climáticas estão particularmente desfavoráveis, com umidade baixa, rajadas de vento e temperaturas elevadas, o que torna o combate ao fogo ainda mais difícil. “O deslocamento é outro desafio, pois muitas áreas não são acessíveis por terra, o que exige o uso de aeronaves para transportar equipes e equipamentos”, explica ele. Além disso, os incêndios subterrâneos, que ocorrem em camadas profundas de matéria orgânica, complicam ainda mais o trabalho, exigindo a abertura de trincheiras para impedir a propagação das chamas.

 

Treinamento dos Brigadistas

Todos os brigadistas passam por um curso de formação básico, que dura uma semana e abrange tanto a teoria do comportamento do fogo quanto práticas de combate e preparação de ferramentas. “Existem diferentes níveis de especialização”, conta Lawrence, “brigadistas mais experientes participam de operações maiores, como no Pantanal e no Xingu, e recebem treinamentos avançados para operar aeronaves, pilotar drones e atuar em sistemas de comando de incidentes”. Além disso, alguns brigadistas são treinados para apoiar investigações florestais, ajudando a identificar as causas e origens dos incêndios.

 

Operações Complexas: Um Caso Recente

Lawrence compartilha um exemplo de como os brigadistas superam desafios em áreas de difícil acesso: “Recentemente, fomos acionados pela Funai para combater um incêndio em uma terra indígena isolada, onde o acesso terrestre era impossível. Foi necessário organizar uma logística complexa, incluindo o uso de uma aeronave de grande porte, recém-adquirida pelo IBAMA, para transportar os brigadistas. Essa operação mostrou como, muitas vezes, nossas ações se assemelham a uma verdadeira operação de guerra”.

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