Obesidade infantil não é de responsabilidade exclusiva dos pais, defende endocrinopediatra
Médica afirma que consumo excessivo de alimentos ultraprocessados até mesmo nas escolas, falta de exercícios e excesso de tela deixam crianças mais vulneráveis à obesidade
O Brasil já tem 340 mil crianças diagnosticadas com obesidade, com idade entre 5 e 10 anos, segundo dados do Sistema Nacional de Vigilância Alimentar e Nutricional, referente a pacientes acompanhados na Atenção Primária à Saúde, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar do microambiente familiar ter impacto direto na saúde da criança, macroambientes como a cantina da escola também interferem no aumento da incidência de obesidade infantil.
“Temos ainda a falta de políticas públicas para incentivar e proporcionar a prática de atividades físicas para crianças; o aumento do tempo de tela e a indústria alimentícia desenfreada que oferece alimentos ultraprocessados e hipercalóricos com atrativos de brindes e personagens de desenhos. Acredito que, como sociedade, estamos vulneráveis a desenvolver a obesidade, pois é mais fácil e barato consumir esses alimentos, já os saudáveis – com baixa gordura e açúcar -, são mais caros”, explica a médica endocrinopediatra do Espaço Zune, Jéssica França.
A opinião da médica é comprovada por um estudo publicado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), realizado pela instituição em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), a Fiocruz e a Universidad de Santiago de Chile que avaliou o consumo de ultraprocessados. Segundo o professor Leandro Rezende, um dos autores do estudo, no Brasil estima-se que 19,7% do total de calorias ingeridas venham do consumo de alimentos ultraprocessados. Se nada for feito, em alguns anos o cenário da saúde no País pode piorar pelo comportamento alimentar das famílias.
Causas da obesidade infantil
No Brasil, 7,9% das crianças com menos de dois anos têm obesidade. Goiás tem 7,6% de crianças obesas, segundo dados publicados no Atlas da Obesidade Infantil no Brasil, de 2019. Projeções do Atlas Mundial da Obesidade, em matéria publicada pela Folha de São Paulo, mostram que até 2035 uma em cada três crianças brasileiras podem sofrer com obesidade. Segundo a médica, a principal causa de obesidade infantil está relacionada aos hábitos de vida, com três fatores principais que se influenciam mutuamente: alimentação pobre em nutrientes, mas rica em alimentos hiperpalatáveis e hipercalóricos; ganho de peso, que influencia na diminuição da prática de esportes e de atividade física e uso excessivo de telas que influencia no aumento da ansiedade e do sedentarismo.
“É importante frisar que listar causas não significa procurar culpados. Existe muito julgamento em relação aos pais da criança com obesidade, como se os pais fossem os únicos culpados. Isso precisa ser tratado de forma sensata porque nas cantinas das escolas, temos muitos refrigerantes, doces e industrializados e as crianças têm autonomia para adquirir esses alimentos. É preciso fazer uma revisão e acompanhamento nutricional do que é oferecido nas cantinas escolares e o poder público precisa desenvolver projetos para incentivar e tornar acessível a todas as crianças a prática de atividades físicas. Tudo isso é mais importante do que apenas culpabilizar os pais”, defende Jéssica.
Pilares do tratamento e medicações
De acordo com a médica, os pais se empenham muito em realizar as mudanças para cuidar da saúde dos filhos, mas nem sempre a criança compreende que precisa fazer escolhas saudáveis. “A abordagem com as crianças é mais minuciosa e delicada, não pode ser agressiva e nem opressora. É preciso orientar trocas saudáveis no cardápio da criança e, muitas vezes, é preciso suporte de outros profissionais, como psicóloga, nutricionista e educador físico porque o perfil alimentar e de atividades é o que a criança se acostumou desde os primeiros anos de vida”, explica a médica.
Os três pilares do tratamento defendidos pela endocrinopediatra são:
mudança alimentar a partir da análise do cardápio e sugestão de trocas;
aumento da prática de atividade física, conforme a idade a capacidade física da criança;
redução do tempo de tela porque influencia no período que a criança fica inativa, sem se movimentar, e pode contribuir para o aumento da ansiedade.
“Esses pilares são a base do tratamento, mas podemos utilizar medicações em um segundo momento, quando já temos isso bem fundamentado nas crianças. É importante que os pais saibam que a medicação sozinha, sem mudança no estilo de vida pode se tornar ineficaz e é possível até o reganho de peso quando os hábitos não mudam. As medicações são muito restritas para crianças em relação à idade e às possíveis comorbidades que podem estar associadas ao quadro de obesidade infantil. Temos boas perspectivas para o futuro em relação a medicações já liberadas para os adultos e que são eficazes na perda de peso, e estão sendo aprovadas para adolescentes acima de 12 anos”, avalia a médica.
É muito importante que a família toda siga as mudanças propostas porque a criança aprende pelo exemplo e precisa de suporte para entender que aquilo é o melhor para toda a família e não que apenas ela está fazendo diferente. Para a médica, é preciso consciência dos pais para fazer escolhas melhores desde o momento que fazem as compras para deixar disponível para os filhos dentro de casa, porque o que tem em casa é o que a criança vai ter acesso diretamente.
Focar em prevenção e não esperar para buscar ajuda
A medição do Índice de Massa Corpórea (IMC) para identificar alterações de peso pode ser feita pelo pediatra, nas consultas de rotina, e esse profissional pode alertar os pais para buscar ajuda especializada. “É preciso saber identificar a obesidade de forma precoce e não demorar para buscar ajuda. Atendo pais que a criança está com obesidade cerca de 3 a 4 anos antes do primeiro atendimento porque muitas vezes existe preconceito de procurar ajuda na esperança de que quando a criança virar adolescente ou quando o adolescente entrar na fase adulta vão entrar no peso adequado. Sabemos que acontece exatamente o contrário: a maior parte das crianças obesas têm maior possibilidade de se tornarem adultos com obesidade”, finaliza Jéssica.
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