Por 7 votos a 4, a CPI da Covid aprovou nesta terça-feira (26) o relatório final elaborado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). Agora com esta aprovação, a comissão de inquérito criada para investigar ações e omissões do governo durante a pandemia encerra os seis meses de trabalhos pedindo o indiciamento de 78 pessoas e duas empresas.
O relatório aprovado pelos senadores tem 1.289 mil páginas e responsabiliza o presidente Jair Bolsonaro. Ele é responsável por cometer pelo menos nove crimes. Além disso, existem pedidos de indiciamento de ministros, ex-ministros, três filhos do presidente, deputados federais, médicos, empresários e um governador – o do Amazonas, Wilson Lima. Duas empresas que firmaram contrato com o Ministério da Saúde – a Precisa Medicamentos e a VTCLog – também foram responsabilizadas.
Votaram a favor do relatório:
- Eduardo Braga (MDB-AM)
- Humberto Costa (PT-PE)
- Omar Aziz (PSD-AM)
- Otto Alencar (PSD-BA)
- Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
- Renan Calheiros (MDB-AL)
- Tasso Jereissati (PSDB-CE)
Votaram contra o relatório:
- Eduardo Girão (Podemos-CE)
- Jorginho Mello (PL-SC)
- Luis Carlos Heinze (PP-RS)
- Marcos Rogério (DEM-RO)
Após proclamar o resultado, Omar Aziz atendeu a um pedido da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) e pediu um minuto de silêncio pelas vítimas da Covid.
A aprovação do relatório se deu após mais de sete horas de discussão, com dois intervalos, em meio a contestações da tropa governista minoritária na CPI.
Senadores aliados ao Palácio do Planalto refutaram a tese de que Bolsonaro foi responsável pelo agravamento da pandemia no Brasil e apresentaram votos em separado nos quais pediram a investigação sobre a atuação de governadores e prefeitos. As propostas, porém, não foram sequer votadas, já que o parecer de Renan Calheiros foi aprovado antes.
Próximas fases
Em um primeiro desdobramento da CPI, senadores planejam entregar o relatório ao procurador-geral da República, Augusto Aras, já nesta quarta-feira (27).
Também está prevista nos próximos dias a entrega do documento ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o encaminhamento do parecer ao Tribunal Penal Internacional. A última versão do relatório final foi apresentada na manhã desta terça-feira, horas antes da votação do parecer.
Na reta final, o relator acatou pedido de senadores e decidiu incluir doze novos nomes na lista de indiciamentos. São assessores e ex-assessores do Ministério da Saúde, pessoas envolvidas no “mercado paralelo” de vacinas, o governador do Amazonas, Wilson Lima e o ex-secretário de Saúde do estado, Marcellus Campêlo.
O nome do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) chegou a ser incluído na lista nesta terça, mas foi retirado novamente no fim da tarde.
Também houve a inclusão de pedido para que a advocacia do Senado acione o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República a fim de que promovam a responsabilização de Bolsonaro por “campanha antivacina”.
A decisão foi tomada após o presidente fazer, durante uma “live” em uma rede social, menção a uma informação falsa que associa a vacinação contra a Covid à Aids. Após repercussão negativa, o registro da transmissão foi excluído por YouTube, Facebook e Instagram.
O relatório também solicita que a advocacia do Senado peça a “imediata interrupção da continuidade delitiva” por meio do afastamento de Bolsonaro de todas as redes sociais para a “proteção da população brasileira”.
O que diz o relatório
O relatório da CPI da Covid aprovado pelos senadores traz, entre outros elementos:
- imagens do presidente provocando aglomerações,
- declarações em que desdenha da vacina e incita a população a invadir hospitais e
- o esforço pessoal de Bolsonaro, ao lado do Itamary, para articular com a Índia a compra de matéria-prima para a produção de cloroquina – remédio ineficaz para a Covid.
O documento também detalha o atraso na aquisição de vacinas e a sucessiva falta de resposta às fabricantes, como à Pfizer e ao Instituto Butantan, que desde 2020 tentavam vender o imunizante ao governo brasileiro.
O relatório de Renan Calheiros lista 13 tópicos da investigação. A lista inclui a oposição do governo às medidas não farmacológicas (como uso de máscara e distanciamento social), o colapso na saúde pública do Amazonas e também a atuação da operadora Prevent Senior.
O documento ainda aponta para a existência de um gabinete paralelo. Nele é composto por médicos, políticos e empresários, que aconselhava o presidente “ao arrepio das orientações técnicas do Ministério da Saúde”. Segundo o relator, partiu desse grupo a ideia da propagação do vírus “livremente entre a população”, a fim de que fosse atingida a “imunidade de rebanho” por meio da contaminação natural.
Conforme o relator, a CPI pôde comprovar:
- o “evidente descaso” do governo com a vida das pessoas, comprovado no “deliberado atraso” na aquisição de vacinas;
- a “forte atuação” da cúpula do governo, em especial do presidente da República, na disseminação de notícias falsas sobre a pandemia;
- a existência de um gabinete paralelo que aconselhava o presidente com informações à margem das diretrizes científicas;
- a intenção de imunizar a população por meio da contaminação natural (a chamada imunidade de rebanho);
- a priorização de um “tratamento precoce” sem amparo científico de eficácia e a adoção do modelo como “política pública declarada”;
- o desestímulo ao uso de medidas não farmacológicas – como as máscaras e o distanciamento social;
- a prática, por parte do governo federal, de atos “deliberadamente voltados contra os direitos dos indígenas”.
“Com esse comportamento, o governo federal, que tinha o dever legal de agir, assentiu com a morte de brasileiras e brasileiros”, afirma no texto o senador Renan Calheiros.
Crimes atribuídos a Bolsonaro
No caso de Bolsonaro, Renan Calheiros pede indiciamento pelos seguintes crimes:
- epidemia com resultado morte
- infração de medida sanitária preventiva
- charlatanismo
- incitação ao crime
- falsificação de documento particular
- emprego irregular de verbas públicas
- prevaricação
- crimes contra a humanidade
- crimes de responsabilidade (violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo)
“O presidente da República repetidamente incentivou a população a não seguir a política de distanciamento social, opôs-se de maneira reiterada ao uso de máscaras, convocou, promoveu e participou de aglomerações e procurou desqualificar as vacinas contra a covid-19. Essa estratégia, na verdade atrelada à ideia de que o contágio natural induziria a imunidade coletiva, visava exclusivamente à retomada das atividades econômicas”, escreveu Renan Calheiros no documento.
Segundo o relator, as ações de Bolsonaro durante a pandemia podem ser enquadradas em crime de responsabilidade — infração imposta ao presidente da República em caso de atos que atentam a Constituição, e que podem resultar em impeachment.
Isso porque, escreveu o relator, a atuação de Bolsonaro “mostrou-se descomprometida com o efetivo combate da pandemia da Covid-19 e, consequentemente, com a preservação da vida e integridade física de milhares de brasileiros”.
Entre os atos de Bolsonaro que, para Renan, “incontestavelmente atentaram contra a saúde pública e a probidade administrativa”, estão a “minimização constante da gravidade da Covid-19” e a criação de mecanismos ineficazes de controle e tratamento do coronavírus.
O relator afirmou ainda que Bolsonaro “foi o principal responsável pela propagação da ideia de tratamento precoce”.
“Em tempos normais, seria apenas um exemplo de desprezível charlatanismo pseudocientífico. Contudo, em meio a uma pandemia global, colaborou para gerar uma monstruosa tragédia, na qual alguns milhares de brasileiros foram sacrificados”, escreveu o relator.
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