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Artigo – Paradoxos paulistas na Revolução de 1932

No sábado (9) houve o feriado paulista sobre a Revolução Constitucionalista

Por Paulo Niccoli Ramirez (Professor e Cientista Político da ESPM)

O movimento que resultou na Revolução de 1932, em São Paulo, iniciada no dia 09 de julho, foi consequência da oposição dos paulistas ao golpe de Estado deflagrado por aliados de Getúlio Vargas dois anos antes. A situação pôs fim à chamada República Velha, caracterizada pela descentralização política e ampla autonomia dos Estados da Federação governados por oligarquias locais.

A ascensão de Vargas em 1930, num primeiro momento, opunha em São Paulo os liberais e as oligarquias cafeeiras. Enquanto os liberais, constituídos por uma classe média urbana, apoiaram timidamente o golpe sob a expectativa de rápidas reformas liberalizantes e elaboração de uma nova constituição, as elites rurais estavam descontentes com a ascensão de Vargas, pois impediu a posse do presidente paulista eleito e representante de seus interesses, Washington Luís, pondo fim à Constituição de 1891, herança da Proclamação da República. Além disso, as oligarquias paulistas eram contra a perda do controle das medidas econômicas em torno da produção de café e submissão de suas ambições frente à centralização política varguista.

Vargas promoveu a nomeação de interventores não-paulistas no Estado de São Paulo, servindo de álibi e culminando em 1932 na formação da Frente Única no Estado, que paradoxalmente passou a reunir os dois grupos que antes encontravam-se em vias opostas contra o governo provisório varguista.

As oligarquias rurais paulistas, defensoras do “antigo regime” republicano, e os liberais do Estado, insatisfeitos com o desinteresse de Vargas para a realização de uma nova constituição, compunham a confusão entre conservadorismo político e certas inclinações econômicas liberalizantes. A coexistência dessas duas tendências remonta a uma contradição econômica apontada pelo sociólogo Florestan Fernandes na obra “A Revolução Burguesa no Brasil” (1974). O volume verifica que São Paulo, tardiamente na segunda metade do século XIX, foi o último Estado a adotar em massa a mão de obra escrava negra para a produção cafeeira, porém no início do século XX foi pioneiro no dinamismo industrial e expansão urbana ao lado da presença de trabalhadores imigrantes, sobretudo italianos.

Sob este fundamento econômico é possível identificar o conhecido dito de que São Paulo é a locomotiva econômica do Brasil. No entanto, é importante ressaltar que parte considerável de sua população, amplamente influenciada pelo outrora conservadorismo de origem oligarca e a descentralização econômica, de origem liberal, tornam o mesmo Estado uma verdadeira âncora social do país, pouco preocupado com políticas de intervenção do governo para sustentar políticas de igualdade social ou mesmo racial.

A fusão do desejo do retorno ao velho regime promovido pelas elites cafeeiras com a intenção de um novo sistema político-econômico reivindicado pela classe média urbana uniu os paulistas contra Vargas, mas os isolou do resto do país. O conflito havia se configurado entre São Paulo e o Brasil. Sem o apoio prometido de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso, que acabaram por apoiar Vargas devido aos rumores de independência e separatismo paulistas, a situação culminou na derrota da Revolução de 1932. A importância política e econômica do Estado pressionou Vargas a estabelecer pouco tempo depois a Constituição de 1934 como forma de amenizar as oposições ao seu governo no Estado.

Curiosamente, entre os anos de 1940 e 1941 e em homenagem à Revolução de 32, foi criada a Avenida 9 de julho na cidade de São Paulo, que desde 1938 havia inaugurado seus túneis com a presença do próprio e incomodado Getúlio Varga, já sob o regime do Estado Novo (1937). Em 1954, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) passou a ter a sua sede na cidade na mesma avenida. Nada mais paradoxal apontar a forma como a instituição que leva o nome de Getúlio Vargas está hoje incrustada na Avenida 9 de julho.

São Paulo é um Estado habituado às contradições. Basta recordar o modo como a idolatria aos bandeirantes promovidos até hoje por nossas elites locais, presente e estampada no nome de avenidas, escolas, emissoras de rádio, tv e marcas de brinquedos contrasta com o genocídio promovido pelos próprios bandeirantes contra a população indígena durante o período colonial. O filósofo alemão Walter Benjamin em um breve texto, “Teses sobre o conceito de História” (1940), afirmou: “nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie”.

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