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Erros em documentos da compra da Covaxin são apontados na CPI

William Santana diz que chegou a apontar erros à fiscal do contrato

Nesta sexta-feira (9), o consultor técnico do Ministério da Saúde, William Amorim Santana foi ouvido na CPI da Covid. Em depoimento, o depoente identificou vários erros e outras irregularidades nas notas fiscais internacionais. Todas são relacionadas sobre a compra da vacina Covaxin pelo governo federal.

Esses documentos foram enviados ao ministério pela Precisa Medicamentos, empresa brasileira que atuava na intermediação entre o ministério e o laboratório indiano Bharat Biotech, que fabrica o imunizante.

De acordo com Santana, mesmo na terceira versão do documento (invoice), persistiam erros ligados à quantidade de doses e à descrição dos lotes. O consultor diz que chegou a avisar a fiscal de execução do contrato, Regina Célia Oliveira, sobre esses problemas.

Questionado, o consultor do Ministério da Saúde disse que essa quantidade de erros “não é comum”. “Não é comum. Existem casos que fornecedores mandam documentação que precisa ser corrigida – não é adulterada, modificada, a palavra é corrigida. E o papel da divisão de importação é exatamente esse. Há casos de outros processos de importação que receberam uma proforma invoice que não tinha Incoterm, não tinha peso líquido, peso bruto, os dados ministério não estavam dispostos corretamente. Isso é comum. Agora, não nessa quantidade”, declarou.

O invoice

Segundo William Santana, no último dia 18 de março, a Precisa Medicamentos enviou a invoice à Divisão de Importação da pasta, junto com outros papéis necessários à negociação. No mesmo dia, o consultor enviou os documentos à área de fiscalização.

A essa altura, diz William Santana, a primeira remessa de vacinas já estava, inclusive, atrasada. Os problemas na negociação fizeram com que a Covaxin nunca chegasse, de fato, ao Brasil. No último dia 29, o Ministério da Saúde suspendeu o contrato em meio às denúncias de irregularidades.

No dia 22, Santana pede ao despachante do ministério uma “análise complementar” da invoice sobre itens do documento que estavam fora da alçada do consultor. E entra em contato com a fiscal do contrato, Regina Célia Oliveira.

Nesse momento, Santana diz a Regina Célia que já havia identificado outros dois problemas no documento, além do atraso na entrega: um quantitativo de doses menor, em relação ao previsto, e a citação a uma empresa que não era parte do contrato assinado.

No dia 23, o despachante responde, mas aponta ainda mais erros. “Eu havia feito uma análise, onde pontuei os principais pontos do contrato, e o meu despachante fez uma análise pontuando as deficiências que estavam presentes na commercial invoice. Eu já havia identificado o primeiro item, o nome do ministério estava errado. Aliás, havia muito erro de grafia na invoice, mas não me cabe atentar a isso, mas aos pontos que me foram designados.”

As irregularidades

Segundo Santana, essa análise do despachante identificou também:

  • que não estava descrito em qual aeroporto a carga chegaria – em geral, o Ministério da Saúde recebe cargas em Guarulhos;
  • não havia o código do Incoterm [Termo Internacional de Comércio], que são as cláusulas definidas e as obrigações contratuais de cada parte;
  • que não tinha o “código de nomenclatura comum” da vacina – importante porque o Brasil é membro do Mercosul e, por isso, precisa atender às regras do bloco para importação;
  • não estavam descritos o peso bruto e o peso líquido da carga;
  • que não eram claros, sequer, o nome completo e o endereço do fabricante;
  • que não havia, também, a descrição do número dos lotes de fabricação da vacina.

“Tanto eu quanto o despachante ficamos confusos porque a invoice não dizia se a vacina viria em frasco, viria em caixa, não estava claro“, citou Santana. “O despachante também pediu que enviasse um packing list [guia de remessa]. O packing list nada mais é que um documento descritivo de como a carga virá. Embalagem, altura, peso, quantos volumes”, enumerou.

“No mesmo dia, encaminhei o pedido de correção para a empresa, tendo a empresa informado que iria corrigir. Entre os apontamentos, também solicitei a alteração do pagamento que estava na condição de antecipado […] A invoice pedia que o pagamento fosse antecipado, mas o contrato não rezava isso.”

A outra versão

No dia 23 de março, William Santana recebe uma nova versão da invoice encaminhada pela Precisa Medicamentos. Os erros persistiam.

“Observei que continuava a informação de pagamento antecipado. Aí, pedi por escrito, mandei por e-mail pedindo que ela se atentasse, que o contrato não tinha essa cláusula e que ela fizesse a correção. Ela [a representante da Precisa] sempre se prontificou a fazer as correções que nós pedíamos, em momento algum ela se absteve de fazê-lo, disse que não ia fazer, pelo menos no que me cabe”, declarou.

Havia, ainda, um segundo problema: o Incoterm [Termo Internacional de Comércio] inserido pela Precisa no novo documento estava incorreto. “O que o fornecedor fez? Ele indicou o Incoterm CIF. Quando você vai ler o descritivo, ele dispõe das regras de transporte marítimo. A carga virá via aérea. Aí, eu pedi para trocar para CIP, porque o CIP prevê que a carga venha via aérea”, informa Santana.

Havia ainda um terceiro problema relacionado a esses códigos: os valores referentes ao seguro e ao frete, que deveriam ser bancados pela empresa exportadora, estavam incluídos na nota a ser paga pelo Ministério da Saúde.

“O termo de referência diz que todo transporte será por responsabilidade da empresa, inclusive seguro da carga. Então, o Incoterm CIF pede que o seguro seja descriminado na invoice, o frete e o seguro, e que este não pode ficar por conta do Ministério. Quando você vai fazer a somatória lá, do valor a ser pago da invoice, o frete e o seguro não podem constar no somatório total”, explicou.

Questionado se essas informações tinham sido corrigidas em uma nova invoice, William afirmou que “a terceira versão ainda continha erros”.

Área de execução liberou processo

Mesmo com a continuidade desses erros, William Santana diz que a área de execução do contrato liberou o avanço dos papéis.

“No dia 22 de março, eu recebi um aval da área finalística, da área do contrato dizendo que não havia óbice para a continuidade do processo. Neste mesmo, dia eu liguei para a fiscal do contrato [Regina Célia] e pontuei com ela os dois pontos que me chamaram atenção naquele momento”, disse.

“Eu pontuei com ela o quantitativo, que estava menor no contrato. E também pontuei com ela a questão da empresa porque a commercial invoice citava uma Madison Biotech. Quando você vai analisar em comparativo com o contrato, o contrato não cita a Madison, cita a Precisa Medicamentos”, prosseguiu.

As funções do consultor

Santana não é servidor de carreira do ministério, e sim, consultor técnico da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) junto à pasta. Na Divisão de Importação, é subordinado diretamente ao servidor Luis Ricardo Miranda, irmão do deputado Luis Miranda (DEM-DF) – a dupla diz ter se reunido com Jair Bolsonaro para denunciar irregularidades no contrato.

“Todas as minhas ações dentro da divisão de importação são acompanhadas pelo meu chefe imediato, não posso tomar nenhuma atitude, não tenho poder de decisão sem anuência dele. Eu fiz a análise sob a supervisão do Luis [Ricardo] Miranda”, disse.

William Santana afirmou à CPI que, na função que desempenha, cabe a ele:

  • analisar se a commercial invoice está de acordo com o contrato;
  • se sim, solicitar a abertura da licença de importação;
  • realizar “interfaces” junto ao despachante oficial do Ministério da Saúde;
  • peticionar documentos junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa);
  • acompanhar o desembaraço aduaneiro das importações.

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